«Não há maior dádiva do que o amor de um gato»
(Charles Dickens)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

IN MEMORIAM



SPAKANA – O GUERREIRO


   O Spakana tem agora vinte anos, o equivalente a 93 anos humanos – é quase centenário! É um campeão em todos os sentidos. Primeiro, pela sua longevidade e, depois, porque é o gato siamês mais extraordinário que conheço, a seguir ao Becas. É ele o verdadeiro “Príncipe dos Gatos”! Se fosse uma pessoa o Spakana seria, certamente, um Sir, tal é a sua personalidade forte, respeitável e digna de admiração. Spakana quer dizer “guerreiro” em Zulu. E o Spakana cedo se destacou como um pequenino guerreiro, na ninhada que foi a primeira da nossa Flô. Ainda filhote, com uma cor de café-com-leite muito clara, dava autênticos saltos mortais de cima do sofá da sala, voando a uma distância que mais nenhum dos seus irmãos conseguia atingir. Era o mais esperto e espevitado, sempre a agitar aquela cauda curta e ridícula, com um nó na ponta que eu, na minha ignorância sobre felinos siameses, tentei endireitar ao vê-lo pela primeira vez, ainda recém-nascido!
   Como aquela era a primeira ninhada da nossa Flô, eu não estava muito a par das várias características dos siameses e desconhecia completamente que nos primeiros estalões da raça, a cauda dobrada, a par com o estrabismo, já tinham sido considerados como um sinal de pureza. Actualmente, com o surgimento de outros critérios, esses passariam a ser considerados como defeitos.
   A própria Flô já não era uma siamesa pura, apesar de possuir todas as características de pureza da raça: tinha a cabeça triangular, olhos amendoados (embora muito estrábicos), corpo esguio, pernas longas, orelhas grandes e pontiagudas e uma linda pelagem creme clarinha com as extremidades cor de chocolate.
   O Spakana acabou por ficar connosco, enquanto todos os seus irmãos e irmãs eram adoptados por conhecidos nossos. Cedo o Spakana demonstrou ser um gato especial, extremamente afectuoso com as pessoas e com os seus próprios congéneres. E cedo se mostrou o tipo de gato “melga”, andando constantemente colado nas nossas pernas, pedindo festas e atenção, soltando uns miados, por vezes quase inaudíveis, outras vezes, muito altos, roucos e entrecortados. Este era, aliás, um dos motivos que faziam destacar o Spakana - o seu miado rouco, inconfundível, e do qual fazia diversas variações de tom. Ainda hoje, é a sua “marca registada”, até porque o Spakana foi sempre muito vocal, gostando de comunicar dessa forma com todos à sua volta, gatos, pessoas e até com os cães. Quando o Spakana começa uma das suas serenatas, o nosso samoiedo Rudolph desata a uivar, secundando-o numa autêntica ária de ópera!
   Por vezes, leio artigos dizendo que os gatos siameses são uns tiranos, com mau-carácter, difíceis de educar… acho estranho, porque os siameses são conhecidos pelo seu bom-feitio e docilidade e eu posso atestá-lo, em primeira mão! Todos os meus gatos siameses fizeram sempre jus a essas características e o Spakana ultrapassa tudo o que de bom tem a raça. É inteligente, meigo, simpático, afectuoso, divertido, fiel, solidário, amigo do seu amigo, adora crianças e consegue ser mesmo um “melga” de primeira! Tem uma ligação muito forte com o Guilherme, mas também gosta muito de mim e, agora, que está mais velho e completamente surdo, tem umas certas manias em relação às formas de dormir, na nossa cama, claro! Adora dormir abraçado ao Guilherme, com a cabeça enfiada debaixo do queixo dele ou, então, sobre a minha almofada (quando tem a sorte de a encontrar vaga), com a minha cabeça a servir de travesseiro!
   Desenvolveu uma relação muito especial com a nossa neta Olívia, que tem agora sete anos e que vive em Inglaterra, vindo a Portugal apenas ocasionalmente. Quando cá está, a Livvy faz do Spakana autêntico gato-sapato, desde pegá-lo nas mais incríveis posições, até de cabeça para baixo! Brinca com ele como se fosse um boneco de peluche e o Spakana alinha em tudo, nunca se irritando nem mostrando qualquer agressividade, seguindo a Livvy para todo o lado, como se fosse um cãozinho, sempre com o seu rouco miado.
   Ao longo dos anos, o Spakana foi dando, cada vez mais, mostras do seu feitio afectuoso, fazendo amigos entre todos os que o conheceram, fossem humanos ou congéneres de quatro patas. Com excepção dos confrontos que teve com o Becas, antes de termos optado pela castração de ambos, nunca vi o Spakana ter uma atitude agressiva com qualquer outro gato, mesmo se fossem visitantes ou os chamados “gatos de rua” que, por vezes entravam lá em casa, pelo terraço. Mas o Spakana também nos deu algumas dores de cabeça, como daquela vez que decidiu ir explorar a casa de um dos vizinhos cujo terraço confinava com o nosso. O azar é que eles tinham uma janela que dava directamente para a rua e o Spakana, em vez de se esconder - coisa que ele nunca faria porque não tinha receio de ninguém - saiu pela janela aberta e embrenhou-se entre carros que estavam no parque de estacionamento, perdendo-se.
   Corremos o nosso bairro e os bairros circundantes, várias vezes, até tarde da noite, sob uma chuva torrencial. Chamávamos pelo nome dele, espreitávamos para todos os recantos e esconderijos onde se pudesse ter escondido. ‘Virámos do avesso’ os prédios da Avenida de Sintra, garagens, átrios, terraços, tudo! Perguntámos, porta-a-porta se tinham visto o gato da fotografia que levávamos para mostrar e afixámos posters com a mesma fotografia em paredes e troncos de árvores.
  Porém, do Spakana nem sombras, tinha-se esfumado no ar! Convencemo-nos de que, provavelmente, tinha sido atropelado, talvez longe dali, pois não encontrávamos sequer o seu corpo. Desesperados, chegámos à conclusão que nunca mais iríamos recuperar o Spakana. Eu estava tristíssima. Nessa altura ainda o Becas era vivo, e eu procurava consolo nele. Tinham-se passado oito dias sobre o desaparecimento do Spakana e num Domingo, a meio da tarde, estava eu debruçada no terraço, a examinar todos os recantos do logradouro, como fizera incessantemente durante aqueles oito dias, na esperança de avistar o gato. E vi-o! Mesmo ao fundo, encostado às paredes das garagens, vinha a andar, vagarosamente, como se estivesse muito fraco ou cansado. Chamei-o e ele olhou para cima, soltando um miado quase inaudível. Saltei a vedação do terraço para o logradouro e corri para ele. Não fugiu e deixou-se apanhar, soltando outro dos seus inconfundíveis miados roucos, mas muito baixinho, como se estivesse muito fraco. Estava magro, o corpo muito leve, mas não tinha feridas ou sinais de pancadas. Aparentemente, estava incólume, com excepção das unhas das patas dianteiras que estavam gastas até ao sabugo, sinal de que estivera fechado nalgum sítio de onde tentara sair. Abracei-o com muita força e corri para casa e, uma vez lá, o Spakana fartou-se de comer e beber água, pois devia estar esfomeado e também desidratado. Muito provavelmente não comera durante todo aquele tempo e, pelo que nos pareceu, devia ter estado sempre muito perto de casa. Durante alguns dias esteve ainda abalado, dormindo imenso para recuperar as forças, mas logo, logo ficou o mesmo Spakana de sempre, melga, alegre e falador.
    Agora, apesar de alguma diabetes e um grau moderado de insuficiência renal, o Spakana tem-se aguentado muito bem. Está completamente surdo e já não dá os incríveis saltos da sua juventude, mas ainda gosta de dar o seu passeio matinal, gozando o sol que bate no jardim, onde se vai entretendo a comer algumas ervas e a vocalizar altíssimo. Dorme bastante mais e tem pouca força nas patas traseiras, por ter perdido massa muscular. Mas às vezes, ainda parece um gatinho, desafiando-nos para brincadeiras e gosta de nos olhar directamente nos olhos, o sinal de que confia totalmente em nós.
   O meu querido Spakana continua a aquecer a nossa alma todos os dias. O seu amor por nós é ilimitado e incondicional. Não sei o que farei, quando Deus o levar e ele me faltar…



30/09/2012








   O meu Spakana, o meu Guerreiro Zulu está a ficar velhote... a caminho dos 23 anos, o que equivale a mais de 100 anos humanos!
   Embora continue a fazer uma vida mais ou menos normal, já se nota o peso dos muitos anos e a sua saúde começa a ressentir-se. Come pouquíssimo e pesa apenas 3,700kg. A sua insuficiência renal está estacionária, não demonstrando os sintomas típicos que, no caso da nossa Buzina, foram terríveis e incapacitantes. O Spakana, felizmente, não os demonstra, mas está muito magro, mais pela perda de massa muscular do que outra coisa. A sua força e o seu equilíbrio também sofrem com esta perda, anda devagar e um pouco cambaleante da parte traseira. Está ainda mais surdo... se isso é possível, pois ele já é completamente surdo há algum tempo. Talvez por isso, vocaliza ainda mais alto, com os característicos miados "à Spakana"!
   Dorme bastante mais, mas ainda gosta de dar a sua saidinha higiénica, para apanhar um pouco de sol ou comer umas ervitas que depois, claro, o fazem vomitar... mas nada de mais.
   Continua o gato afectuoso que sempre foi, mas agora já não gosta de estar ao nosso colo e também não gosta muito que o agarrem... pede festas e é exigente, mas com conta peso e medida. À noite, é que continua a dormir encostado o mais possível ao seu querido Guilherme... pode afastar-se eventualmente e vir instalar-se ao pé da minha cara, de preferência, com o queixo apoiado nela, mas acaba sempre por voltar ao ponto de partida, agarrado ao Guilherme!
   Tenho tanto receio de que ele esteja a chegar ao fim da sua existência neste planeta terra,  de que a sua missão de amor esteja a terminar...
   A partir de agora, é um dia de cada vez, mas ainda não Spakana, meu amor, ainda não, por favor!...





  
8/Novembro/2012


       O meu adorado Spakana partiu hoje… aconchegado no meu colo, iniciou a sua jornada de regresso ao ventre materno de onde saiu há 22 anos atrás, à sua morada eterna.


       E as mesmas mãos que o haviam ajudado a nascer, que haviam tentado endireitar a sua pequena cauda, ajudaram-no, agora, a partir e amortalharam o seu débil, outrora belo, corpinho, para uma derradeira despedida. Não mais voltarei a olhar os seus olhos cor do céu... não mais voltarei a ouvir o seu miado rouco.

       Até um dia, meu querido, eu sei que nos voltaremos a encontrar, só assim conseguirei prosseguir sem a tua imensa luz! ♥ ♥ ♥ ♥

 

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