«Não há maior dádiva do que o amor de um gato»
(Charles Dickens)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

IN MEMORIAM



SPAKANA – O GUERREIRO


   O Spakana tem agora vinte anos, o equivalente a 93 anos humanos – é quase centenário! É um campeão em todos os sentidos. Primeiro, pela sua longevidade e, depois, porque é o gato siamês mais extraordinário que conheço, a seguir ao Becas. É ele o verdadeiro “Príncipe dos Gatos”! Se fosse uma pessoa o Spakana seria, certamente, um Sir, tal é a sua personalidade forte, respeitável e digna de admiração. Spakana quer dizer “guerreiro” em Zulu. E o Spakana cedo se destacou como um pequenino guerreiro, na ninhada que foi a primeira da nossa Flô. Ainda filhote, com uma cor de café-com-leite muito clara, dava autênticos saltos mortais de cima do sofá da sala, voando a uma distância que mais nenhum dos seus irmãos conseguia atingir. Era o mais esperto e espevitado, sempre a agitar aquela cauda curta e ridícula, com um nó na ponta que eu, na minha ignorância sobre felinos siameses, tentei endireitar ao vê-lo pela primeira vez, ainda recém-nascido!
   Como aquela era a primeira ninhada da nossa Flô, eu não estava muito a par das várias características dos siameses e desconhecia completamente que nos primeiros estalões da raça, a cauda dobrada, a par com o estrabismo, já tinham sido considerados como um sinal de pureza. Actualmente, com o surgimento de outros critérios, esses passariam a ser considerados como defeitos.
   A própria Flô já não era uma siamesa pura, apesar de possuir todas as características de pureza da raça: tinha a cabeça triangular, olhos amendoados (embora muito estrábicos), corpo esguio, pernas longas, orelhas grandes e pontiagudas e uma linda pelagem creme clarinha com as extremidades cor de chocolate.
   O Spakana acabou por ficar connosco, enquanto todos os seus irmãos e irmãs eram adoptados por conhecidos nossos. Cedo o Spakana demonstrou ser um gato especial, extremamente afectuoso com as pessoas e com os seus próprios congéneres. E cedo se mostrou o tipo de gato “melga”, andando constantemente colado nas nossas pernas, pedindo festas e atenção, soltando uns miados, por vezes quase inaudíveis, outras vezes, muito altos, roucos e entrecortados. Este era, aliás, um dos motivos que faziam destacar o Spakana - o seu miado rouco, inconfundível, e do qual fazia diversas variações de tom. Ainda hoje, é a sua “marca registada”, até porque o Spakana foi sempre muito vocal, gostando de comunicar dessa forma com todos à sua volta, gatos, pessoas e até com os cães. Quando o Spakana começa uma das suas serenatas, o nosso samoiedo Rudolph desata a uivar, secundando-o numa autêntica ária de ópera!
   Por vezes, leio artigos dizendo que os gatos siameses são uns tiranos, com mau-carácter, difíceis de educar… acho estranho, porque os siameses são conhecidos pelo seu bom-feitio e docilidade e eu posso atestá-lo, em primeira mão! Todos os meus gatos siameses fizeram sempre jus a essas características e o Spakana ultrapassa tudo o que de bom tem a raça. É inteligente, meigo, simpático, afectuoso, divertido, fiel, solidário, amigo do seu amigo, adora crianças e consegue ser mesmo um “melga” de primeira! Tem uma ligação muito forte com o Guilherme, mas também gosta muito de mim e, agora, que está mais velho e completamente surdo, tem umas certas manias em relação às formas de dormir, na nossa cama, claro! Adora dormir abraçado ao Guilherme, com a cabeça enfiada debaixo do queixo dele ou, então, sobre a minha almofada (quando tem a sorte de a encontrar vaga), com a minha cabeça a servir de travesseiro!
   Desenvolveu uma relação muito especial com a nossa neta Olívia, que tem agora sete anos e que vive em Inglaterra, vindo a Portugal apenas ocasionalmente. Quando cá está, a Livvy faz do Spakana autêntico gato-sapato, desde pegá-lo nas mais incríveis posições, até de cabeça para baixo! Brinca com ele como se fosse um boneco de peluche e o Spakana alinha em tudo, nunca se irritando nem mostrando qualquer agressividade, seguindo a Livvy para todo o lado, como se fosse um cãozinho, sempre com o seu rouco miado.
   Ao longo dos anos, o Spakana foi dando, cada vez mais, mostras do seu feitio afectuoso, fazendo amigos entre todos os que o conheceram, fossem humanos ou congéneres de quatro patas. Com excepção dos confrontos que teve com o Becas, antes de termos optado pela castração de ambos, nunca vi o Spakana ter uma atitude agressiva com qualquer outro gato, mesmo se fossem visitantes ou os chamados “gatos de rua” que, por vezes entravam lá em casa, pelo terraço. Mas o Spakana também nos deu algumas dores de cabeça, como daquela vez que decidiu ir explorar a casa de um dos vizinhos cujo terraço confinava com o nosso. O azar é que eles tinham uma janela que dava directamente para a rua e o Spakana, em vez de se esconder - coisa que ele nunca faria porque não tinha receio de ninguém - saiu pela janela aberta e embrenhou-se entre carros que estavam no parque de estacionamento, perdendo-se.
   Corremos o nosso bairro e os bairros circundantes, várias vezes, até tarde da noite, sob uma chuva torrencial. Chamávamos pelo nome dele, espreitávamos para todos os recantos e esconderijos onde se pudesse ter escondido. ‘Virámos do avesso’ os prédios da Avenida de Sintra, garagens, átrios, terraços, tudo! Perguntámos, porta-a-porta se tinham visto o gato da fotografia que levávamos para mostrar e afixámos posters com a mesma fotografia em paredes e troncos de árvores.
  Porém, do Spakana nem sombras, tinha-se esfumado no ar! Convencemo-nos de que, provavelmente, tinha sido atropelado, talvez longe dali, pois não encontrávamos sequer o seu corpo. Desesperados, chegámos à conclusão que nunca mais iríamos recuperar o Spakana. Eu estava tristíssima. Nessa altura ainda o Becas era vivo, e eu procurava consolo nele. Tinham-se passado oito dias sobre o desaparecimento do Spakana e num Domingo, a meio da tarde, estava eu debruçada no terraço, a examinar todos os recantos do logradouro, como fizera incessantemente durante aqueles oito dias, na esperança de avistar o gato. E vi-o! Mesmo ao fundo, encostado às paredes das garagens, vinha a andar, vagarosamente, como se estivesse muito fraco ou cansado. Chamei-o e ele olhou para cima, soltando um miado quase inaudível. Saltei a vedação do terraço para o logradouro e corri para ele. Não fugiu e deixou-se apanhar, soltando outro dos seus inconfundíveis miados roucos, mas muito baixinho, como se estivesse muito fraco. Estava magro, o corpo muito leve, mas não tinha feridas ou sinais de pancadas. Aparentemente, estava incólume, com excepção das unhas das patas dianteiras que estavam gastas até ao sabugo, sinal de que estivera fechado nalgum sítio de onde tentara sair. Abracei-o com muita força e corri para casa e, uma vez lá, o Spakana fartou-se de comer e beber água, pois devia estar esfomeado e também desidratado. Muito provavelmente não comera durante todo aquele tempo e, pelo que nos pareceu, devia ter estado sempre muito perto de casa. Durante alguns dias esteve ainda abalado, dormindo imenso para recuperar as forças, mas logo, logo ficou o mesmo Spakana de sempre, melga, alegre e falador.
    Agora, apesar de alguma diabetes e um grau moderado de insuficiência renal, o Spakana tem-se aguentado muito bem. Está completamente surdo e já não dá os incríveis saltos da sua juventude, mas ainda gosta de dar o seu passeio matinal, gozando o sol que bate no jardim, onde se vai entretendo a comer algumas ervas e a vocalizar altíssimo. Dorme bastante mais e tem pouca força nas patas traseiras, por ter perdido massa muscular. Mas às vezes, ainda parece um gatinho, desafiando-nos para brincadeiras e gosta de nos olhar directamente nos olhos, o sinal de que confia totalmente em nós.
   O meu querido Spakana continua a aquecer a nossa alma todos os dias. O seu amor por nós é ilimitado e incondicional. Não sei o que farei, quando Deus o levar e ele me faltar…



30/09/2012








   O meu Spakana, o meu Guerreiro Zulu está a ficar velhote... a caminho dos 23 anos, o que equivale a mais de 100 anos humanos!
   Embora continue a fazer uma vida mais ou menos normal, já se nota o peso dos muitos anos e a sua saúde começa a ressentir-se. Come pouquíssimo e pesa apenas 3,700kg. A sua insuficiência renal está estacionária, não demonstrando os sintomas típicos que, no caso da nossa Buzina, foram terríveis e incapacitantes. O Spakana, felizmente, não os demonstra, mas está muito magro, mais pela perda de massa muscular do que outra coisa. A sua força e o seu equilíbrio também sofrem com esta perda, anda devagar e um pouco cambaleante da parte traseira. Está ainda mais surdo... se isso é possível, pois ele já é completamente surdo há algum tempo. Talvez por isso, vocaliza ainda mais alto, com os característicos miados "à Spakana"!
   Dorme bastante mais, mas ainda gosta de dar a sua saidinha higiénica, para apanhar um pouco de sol ou comer umas ervitas que depois, claro, o fazem vomitar... mas nada de mais.
   Continua o gato afectuoso que sempre foi, mas agora já não gosta de estar ao nosso colo e também não gosta muito que o agarrem... pede festas e é exigente, mas com conta peso e medida. À noite, é que continua a dormir encostado o mais possível ao seu querido Guilherme... pode afastar-se eventualmente e vir instalar-se ao pé da minha cara, de preferência, com o queixo apoiado nela, mas acaba sempre por voltar ao ponto de partida, agarrado ao Guilherme!
   Tenho tanto receio de que ele esteja a chegar ao fim da sua existência neste planeta terra,  de que a sua missão de amor esteja a terminar...
   A partir de agora, é um dia de cada vez, mas ainda não Spakana, meu amor, ainda não, por favor!...





  
8/Novembro/2012


       O meu adorado Spakana partiu hoje… aconchegado no meu colo, iniciou a sua jornada de regresso ao ventre materno de onde saiu há 22 anos atrás, à sua morada eterna.


       E as mesmas mãos que o haviam ajudado a nascer, que haviam tentado endireitar a sua pequena cauda, ajudaram-no, agora, a partir e amortalharam o seu débil, outrora belo, corpinho, para uma derradeira despedida. Não mais voltarei a olhar os seus olhos cor do céu... não mais voltarei a ouvir o seu miado rouco.

       Até um dia, meu querido, eu sei que nos voltaremos a encontrar, só assim conseguirei prosseguir sem a tua imensa luz! ♥ ♥ ♥ ♥

 

ESTRELINHAS - IN MEMORIAM

                  
BUZINA – A Primadonna

   A Buzina, tal como o seu nome indica, é uma siamesa extremamente vocal. Porém, ao contrário do Spakana, o seu miado é vivo e estridente, atingindo notas verdadeiramente agudas e não se calando enquanto não lhe prestamos a devida atenção. Tem agora 18 anos - é praticamente centenária - e, apesar de sofrer de artrite em grau muito avançado nas patas dianteiras, que a faz coxear imenso, é uma gata saudável e ainda activa. Por ter sido sempre obesa, pensávamos que ela iria morrer primeiro do que a irmã Pantufa, que era uma atleta, e afinal… ainda cá continua a dar-nos muito amor e miados estridentes!
   É uma siamesa à moda antiga, pois parece uma foca, gordinha, com uma pelagem muito escura e brilhante, quase negra, e umas enormes vibrissas. Os seus olhos são de um azul vivo e intenso, agora ligeiramente desmaiado por causa da idade. A sua grande cabeça e a sua expressão fazem muito lembrar o filho Becas e é, tal como ele, muito meiga e afectuosa, exigindo festas quando está ao nosso colo, tocando-nos nas mãos para que a afaguemos. Foi, como já contei, uma mãe extremosa para o Becas quando ele nasceu, de cesariana, na Clínica Veterinária dos Olivais. No entanto, ao contrário do laço que ligou a Flô e a Patuda até à morte, a Buzina deixou cedo que esse laço se desvanecesse e, quando o Becas entrou na puberdade, mãe e filho afastaram-se mantendo apenas a ligação que é normal entre gatos. Às vezes, quando o Becas tentava alguma aproximação mais íntima ou, simplesmente, um “amassar de pão”, levava logo um tremendo bufo que o fazia perder a vontade de a voltar a incomodar.
   A nossa Buzina, tirando estas particularidades da sua personalidade, nunca teve assim grandes estórias, porque foi sempre uma gata muito low profile, calma e sossegada, cujas actividades preferidas são dormir, dormir ao sol, dormir à sombra, enfim, dormir… A maior aventura da Buzina deve ter sido mesmo o nascimento do Becas!  
   No entanto, ela e o Spakana – os únicos sobreviventes do clã dos siameses – são muito chegados. Normalmente, dormem juntos, enroscados um no outro, durante o dia e uma boa parte da noite, especialmente durante o Inverno frio e húmido desta zona do Oeste. Depois, o Spakana decide vir para o pé de nós e, de manhã, também a Buzina está deitada, quase sempre nos pés da cama, que é o sítio onde há mais espaço.
   Todos os dias peço a Deus para que eles possam ficar connosco um pouquinho mais e tento dar-lhes muito mimo e toda a atenção que posso, antecipando a altura em que me verei privada desses momentos que, para mim, valem ouro!

30/Julho/2011

   A nossa “velhota” desenvolveu Insuficiência Renal Crónica (IRS). Eu sei que a Buzina tem agora uma provecta idade (20 anos) e que esta é uma condição física que aparece em quase todos os gatos idosos, mas não estava à espera que ela viesse a sofrer desta incapacitante doença quase no término da sua passagem por este planeta Terra e pela nossa vida. Tem sido difícil lidar com a ideia de que a nossa “mansa” siamesa dos lindos olhos cor de turquesa nos vai deixar, depois de 20 anos de uma amizade sem limites, de uma fidelidade a toda a prova. Nunca estamos preparados!
    Decidimos fazer tudo o que for medicamente possível para lhe prolongar, durante mais algum tempo, a qualidade de vida, se possível, sem sofrimento. Iniciou um tratamento de fluído terapia e de medicação para ajudar os seus já fracos rins.

Outubro/2011
   
   Após quase 3 meses de tratamento, que no início parecia estar a resultar bem, o estado da Buzina chegou a um impasse e a Drª Sónia disse-nos que ela já não reagia à medicação... pior do que isso, esta tivera efeitos secundários muito maus, um problema muito comum nos gatos sujeitos a esta terapia. Ficou praticamente cega e com uma desorientação motora muito grave. Deixou de ir fazer as necessidades ao WC e precisa de ajuda para tudo, incluindo para se alimentar, para o que tem de tomar um estimulante que vai fazendo com que tenha apetite. Mesmo assim, perdeu imenso peso e parece uma sombra da "velha" Buzina! A conselho da veterinária, decidimos suspender o tratamento, dar-lhe toda a assistência e conforto possíveis, em casa e esperar pelo momento em que ela se decida a partir... 

Janeiro/2012  

   Passaram mais três meses e a Buzina ainda cá continua! Espanta-nos a sua resiliência... cega que nem um morcego, come, dorme, faz os seus xixis e cócós nos sítios mais inapropriados, chão ou jornais estrategicamente espalhados (não vejo necessidade de lhe pôr fraldas), lava-se (ainda!), ronrona (ainda!), dá por vezes aqueles miados que fizeram jus ao seu nome, parece uma barata tonta quando sai da sua alcofa, onde passa os dias e as noites, já não procura as nossas mãos para lhe fazermos festas, mas aceita-as com um prazer evidente e, também, já não procura a nossa cama para dormir, até porque nem consegue subir ou descer de sítios altos. Mas não dá mostras de querer partir para o Céu dos Gatos! E, enquanto a Buzina não nos transmitir esse sinal, nós vamos respeitando a sua vontade e aproveitando os últimos instantes da sua preciosa companhia... até ao dia em que ela se transforme em mais uma estrelinha!

20/Maio/2012 

   A nossa querida e amada Buzina deixou-nos hoje! Depois de uma luta, que durou quase 1 ano, contra uma doença que teimava em cobrar a sua vida, e durante o qual nos deu, a nós humanos, lições de sobrevivência e de coragem, calou-se, para sempre, o seu miado tão característico que fez jus ao seu nome - Buzina. 
    Nunca vou esquecer aqueles olhos de um azul tão azul que pareciam turquezas, o seu corpo roliço com uma pelagem quase negra, luzidia e sedosa, que a faziam parecer uma pequena foca. Dessa imagem restava apenas o azul dos seus olhos, pois o seu corpinho sofrido há muito perdera os oito kilos que pesava...
    A sua avidez por festas e carícias manteve-a quase até ao fim, deliciava-se com afagos na cabecinha que lançava contra a nossa mão, pedindo mais e mais. Como todos os siameses, a Buzina era uma gata extremamente afectuosa e carente. Por vezes, chegava a ser "chata"... oh, que saudades eu tenho dessa Buzina, melga, ronroneira e exigente!
    Durante este mês de Maio, equacionou-se várias vezes a solução de pôr um termo ao seu sofrimento - não via, não comia, não andava e apenas bebia água quando lhe chegavam a tigelinha ao pé dela. Mas, aparentemente, não tinha dores, segundo a opinião da veterinária. Optámos por não lhe fazer mais fluidoterapia, pois da última vez que fez teve um ataque de stress tão grande que eu pensei mesmo que ela se ficasse na mesa da veterinária. Como continuava a beber água, não havia necessidade de a martirizar espetando agulhas nas suas já invisíveis veias. A nossa esperança era que ela desistisse e partisse por ela... mas o sopro da vida continuava a mantê-la.
    De manhã, limpei-a com os toalhetes húmidos, coloquei-a sobre um resguardo limpo, dei-lhe água, puxei a alcofa para o sol que entrava no chão quarto e ali ficou, sossegada, mas com uma respiração agitada. O Spakana, eterno amigo e companheiro, foi deitar-se a seu lado, aninhando-se no seu corpinho esquelético. Voltei ao quarto mais duas vezes para a ver e de uma das vezes tive de afastar o Spakana que estava deitado sobre ela, quase que não a deixando respirar. O 'skipe' tocou e eu fui falar com a Teresa e com as meninas, a chamada habitual de Domingo.
   Quando voltei ao quarto, meia hora tinha passado, o Spakana continuava deitado aninhado na Buzina, mas ela já não estava lá... a sua alma tinha cruzado outra dimensão, a caminho do "Céu dos Gatos" onde ,tenho a certeza, o seu muito amado filho Becas e a sua mana Pantufa a esperavam e a terão recebido com muitas festas, lambidelas e ron-rons. A sua campa tem flores silvestres e seixos brancos e está ao lado da de sua irmã Pantufa.
    Até já, minha querida Buzina...
   

                                         

sábado, 21 de janeiro de 2012

O GATO – ESSA MARAVILHOSA CRIATURA

Os gatos são, para a maior parte das pessoas, animais enigmáticos que dificilmente deixam transparecer os seus sentimentos. Porém, para quem os conhece bem e convive com eles, essa decifração torna-se fácil e é fascinante a descoberta do que os nossos companheiros felinos sentem em relação a nós e aos seus congéneres. E, é assim que se estabelece uma relação harmoniosa e duradoura, na qual o nosso gato passa a ser o nosso amigo, o nosso companheiro, um membro da família. Quando o nosso gato morre, já velho ou precocemente levado por uma doença ou por um infeliz acidente, sentimo-nos perdidos e desamparados.
      A perda de um animal de estimação é, para a maioria das pessoas, equivalente à perda desse melhor amigo ou, mesmo, de um membro da família. Não é fácil lidar com uma ou com outra. Os verdadeiros amantes dos animais têm sempre tendência a encará-los como seus iguais e semelhantes e esperam tê-los a seu lado por um tempo muito superior ao que a sua natureza lhes permite. Quando chega ao fim, a vida desse ser com que se habituaram a partilhar o seu quotidiano e de quem dependem emocionalmente da mesma forma que ele depende total e inteiramente do seu guardião, amigo e companheiro, o choque é traumatizante e nem sempre bem resolvido e compreendido pelos que os rodeiam.
      O meu conselho para ultrapassar a perda de um animal de estimação é, sem dúvida alguma, arranjar outro (ou outros) que possam preencher o vazio que fica na nossa alma e na nossa casa. Não quer isto dizer que um novo animal de companhia vá ocupar ou substituir o lugar do que partiu. De forma alguma! Cada um deles é insubstituível, à semelhança do que se passa com os seres humanos. Dos meus doze gatos, nenhum é a cópia um do outro. Cada um tem manias únicas e muito próprias. Podem ter hábitos e gestos comuns, mas executados com ligeiras diferenças, às vezes imperceptíveis para um observador menos atento. Cada um dos meus “queridos amigos” que já partiu deste mundo, deixou uma marca singular, como um bilhete de identidade, que eu recordo com saudade mas também com um sentimento de prazer e agradecimento por ter podido partilhar essa experiência tão rica e gratificante.
      São inúmeras as vantagens de se ter um gato. Atraem as forças negativas que pairam ao nosso redor, segundo estudos efectuados ao nível espiritual. Porém, a maior de todas e que tem sido amplamente divulgada a nível científico, está relacionada com as capacidades curativas que o ronronar destes animais produz nos seres humanos. Afagar um gato tem um efeito calmante e relaxante, mas afagá-lo enquanto ele ronrona tem, por exemplo, o efeito de baixar a tensão arterial, prevenindo doenças cardíacas. Segundo estudos médicos, o ronronar dos gatos tem o mesmo efeito que vibrações de 20 a 50 Hz, a baixo volume, utilizadas para aumentar a densidade óssea de pessoas com problemas como, por exemplo, a osteoporose.
      No caso de pessoas idosas, possuir, cuidar e afagar um gato faz com que estabeleçam laços fortes com outro ser vivo, ajudando a quebrar a solidão e apatia que surgem, frequentemente, nessas idades e que conduzem à depressão e ao desinteresse pela vida. Nos Estados Unidos é muito comum a utilização de terapias com gatos em centros de doentes com Alzheimer. Os felinos conseguem fazer com que estes doentes, muitas vezes incapacitados, estabeleçam novamente ligações perdidas com familiares e cuidadores. Uma estória comovente é a de um gato chamado Flea, já com 12 anos, que costumava fazer terapia com doentes de Alzheimer, num centro de uma cidade americana. Durante alguns anos ele visitava diariamente Margie, uma senhora idosa, que se encontrava já nos estádios mais avançados da doença, criando-se entre ambos uma forte ligação. Um dia, Margie teve um grave AVC durante a noite e, prevendo-se um desenlace fatal, a família foi chamada à sua cabeceira. Flea e a sua cuidadora iam para a visita habitual mas, dadas as tristes circunstâncias, afastavam-se já do quarto quando uma das filhas da doente os viu, reconhecendo o gato de que a mãe falava frequentemente. Pediu então à dona de Flea que o levasse junto da doente, ao que ela anuiu tendo colocado o gato sobre a cama, encostado ao corpo da idosa moribunda. Ele imediatamente se aninhou no seu antebraço e começou a ronronar e a ‘amassar’. Margie, sem abrir os olhos, virou a cara para o lado onde estava Flea, como se o estivesse a ver, esboçou um sorriso, deu um longo suspiro e expirou!
      Esta é uma estória comovente, mas não é única, isolada… Há, também, a estória de Oscar, o gato residente em Steer House, um centro para idosos em Rhode Island (Providence), nos Estados Unidos, que até já passou para livro. Oscar consegue ‘prever’, de forma quase infalível quando se aproxima a morte de um paciente, visitando-o cerca de duas horas antes do desenlace e deitando-se junto a ele. Segundo Thomas Graves, perito em felinos da Universidade de Illinois, este comportamento é perfeitamente normal num gato: “Os gatos sentem com frequência quando os donos estão doentes ou quando outro animal está doente. Podem sentir quando o tempo vai mudar e é conhecida a sua capacidade para pressentir sismos”. Em Steer House, acreditam nos benefícios terapêuticos da companhia de animais. Ao longo dos anos este centro acolheu diversos animais, incluindo numerosos gatos, periquitos, um coelho orelhudo e vários visitantes caninos numa base regular, que transmitem com a sua presença e o seu conforto benefícios para todos os pacientes, tornando-se mesmo uma forma de vida em Steer House.  
      A terapia com animais, nomeadamente com cães e gatos, é amplamente utilizada há já largos anos nos Estados Unidos e noutros países europeus também em crianças com deficiências motoras e do foro neurológico, produzindo melhorias extraordinárias nos pacientes. 

O GATO – ESSA MARAVILHOSA CRIATURA

Adoro animais, mas o meu grande amor vai para os gatos… sou aquilo a que os Ingleses chamam de “cat lover” ou para usar o termo que identifica um amante de gatos, sou uma ailurófila. Não poderia conceber a minha vida sem a companhia dessas criaturas simultaneamente maravilhosas e cheias de mistério, tantas vezes injustiçadas por aqueles que as conhecem pouco ou mesmo nada.
      Os gatos são seres únicos, nobres e geniais, a perfeição em forma animal. Sob a aparência felina, por vezes insignificante para quem não os aprecia, está uma máquina das mais perfeitas que a Natureza concebeu.  Leonardo da Vinci disse a respeito do gato “O menor dos pequenos felinos é, por si só, uma verdadeira obra-prima”... Nada de mais verdadeiro!
      Se é costume dizer-se que os cães têm “dono” (termo de que eu discordo completamente, pois acho que nós não somos donos dos animais), em relação aos gatos, a questão de pertença é muito diferente da dos cães: pode dizer-se que nós é que lhes pertencemos! Eles são os nossos ‘donos’ e utilizam todo o seu encanto para nos manipular, e nós gostamos…
      Os gatos não mudam de atitude para nos satisfazer e é difícil forçar um gato a fazer o que queremos. Quem vive com esses pequenos felinos sabe do que eu estou a falar. Os gatos são criaturas de espírito livre, na verdade, há quem afirme mesmo que eles nunca foram totalmente domesticados. E esta é uma das principais razões que leva a que muitas pessoas não gostem de felinos.
      Os gatos, quanto muito e se estão para aí virados, condescendem em nos agradar e, quando se trata de gatos muito afectivos, são eles próprios que procuram fazer coisas que sabem perfeitamente que nos vão conquistar. As minhas experiências com gatos têm-me ensinado coisas extraordinárias e, pena é que os seres humanos não aprendam mais com estes animais verdadeiramente fascinantes.
      Pela minha vida passaram 25 gatos. Gatos efectivos, residentes, porque muitos outros se cruzaram comigo, os “gatos de rua” ou errantes que, em certa altura das suas deambulações, apareceram à minha porta, procurando alimento, abrigo ou simplesmente um pouco de carinho. Todos eles deixaram ou têm um lugar muito especial no meu coração, que cresceu e se fez grande para acolher tantos afectos.
      Muitos já cruzaram a “Ponte do Arco-Íris”, a caminho do “Céu dos Gatos”, que eu acredito sinceramente que exista. Outros ainda continuam a encher os meus dias de prazer e alegria, de brincadeiras, e a dar-me grandes lições de vida. Sim, porque os gatos são grandes professores, ensinam-nos o valor do amor, da amizade, da partilha e da solidariedade e, também, o respeito pelos mais velhos.
      Quem acusa os gatos de serem narcisistas, arrogantes, egotistas, egocêntricos, egoístas, ególatras, convencidos, distantes, insociáveis e altivos, é porque nunca teve contacto com esses animais. O gato é, pela sua personalidade, um dos mais nobres animais.
      Para começar, não há dois gatos iguais. Qualquer pessoa que lide com gatos sabe que cada animal tem um carácter único. A personalidade do gato desenvolve-se em função de influências tanto genéticas como ambientais e cada gato tem a sua personalidade própria, o seu estilo e as suas manias – coisas a que se acrescentam certas constantes de comportamento ditadas pelos genes, imutáveis de um sujeito para outro.
      O Siamês, por exemplo, é caracterizado pela sua doçura e pelo seu lado afectuoso, com os humanos e com outros animais, com quem comunica facilmente. É o mais extrovertido de todos os gatos domésticos, extremamente sensível, adora companhia e precisa de um lar equilibrado e estável, suporta mal a solidão, por isso é muito atreito à depressão quando negligenciado. Cria profundos laços com o dono, cuja voz reconhece perfeitamente. Os siameses são gatos possessivos, algo ciumentos, ruidosos, hiperactivos e muito inteligentes. Gostam de falar e vocalizam com grande satisfação se lhes for prestada atenção. Apreciam a companhia de crianças, se elas se comportarem amigavelmente com ele. O gato Siamês é, sem sombra de dúvida, o companheiro ideal para muitos anos de pura amizade e companheirismo. Já lhe chamaram “O Príncipe dos Gatos”.
      O vulgar Europeu Comum também apresenta personalidades bem distintas. Acontece, por exemplo, numa ninhada de vários gatinhos cada um deles possuir um “feitio” diferente. Há os tímidos e introvertidos, os atrevidos e “populares”, os simpáticos, os carismáticos, os de personalidade forte e dominadora, os “dissimulados”, enfim, todos se diferenciando tal como acontece ao nível das suas pelagens. Dependendo dos progenitores, numa ninhada pode haver gatinhos, pretos, pretos e brancos, todos brancos, os tabby laranja, cinza, bicolores e tricolores e os tourtoiseshell, vulgarmente denominados tartaruga.

ESTRELINHAS

IN MEMORIAM...


ALBINO – Um Vadio Com Muito Carisma

Desapareceu como havia aparecido – misteriosamente. Não sei, até hoje, o que lhe teria acontecido, pois só um imprevisto muito forte (e grave), faria com que o Albino deixasse de nos ‘visitar’ como costumava fazer ao longo daqueles dois anos. E a sua ausência deixou um grande vazio. Nem sequer uma fotografia dele ficou para ilustrar a sua estória.
O Albino era um gato de rua, aquilo a que se chama um gato vadio ou ‘errante’. Já não era novo, deveria andar pelos 8/10 anos, bastante sofridos, como o atestavam as cicatrizes de guerra que ostentava por todo o corpo. Era um macho, inteiro, de cabeça redonda e corpo maciço. Tinha uma pelagem tabby desmaiada, onde quase não se distinguiam as listas, num tom creme quase branco e uns olhos azuis-claros, lindíssimos. Daí o termos baptizado de Albino. Como pude verificar, depois, consultando um manual sobre gatos, esta despigmentação quer da pelagem quer da íris devia-se, efectivamente, a uma forma de albinismo muito comum em gatos brancos ou quase brancos. E também fiquei a saber que todos os gatos nestas condições são geralmente surdos. Nunca cheguei a constatar isso no Albino, pois ele parecia ouvir-nos bem ou então tinha os outros sentidos mais apurados.
O Albino, ou Binas, para os amigos, apareceu um dia no pequeno jardim fronteiro da nossa casa. Não estava magro, nem aparentava ter fome. Como deduzimos, depois, ao longo dos poucos anos que o Albino frequentou a nossa casa, este deveria ser para ele um procedimento comum e, provavelmente, teria outras casas onde faria a mesma coisa. Uma coisa que eu aprendi com o Albino e outros gatos de rua que me procuram é que, quando se dá comida a um vadio, é para sempre! Enquanto viverem (ou os deixarem viver) eles nunca mais deixarão de aparecer para aquele ritual da comida. Até podem desaparecer durante vários dias, mas retornam sempre para reclamar a refeição a que já se habituaram.
Apesar de vadio, o Binas era manso, embora com certas reservas. Talvez até já tivesse sido um gato doméstico, porque deixava fazer festas sem fugir, mas não se deixava pegar, com excepção de uma altura em que esteve muito doente e nós decidimos levá-lo ao veterinário. No início, aparecia normalmente duas vezes por dia, para uma refeição que comia sem pressas e para uma tigelinha de leite, que adorava. Depois, ficava pela relva, ao sol, lavando-se criteriosamente e passando pelas brasas. Passadas algumas horas, levantava-se e dirigia-se para o Colégio Amor de Deus, que ficava mesmo defronte do nosso prédio, entrava por uma das aberturas da vedação de rede e desaparecia nos terrenos do colégio, onde teria, talvez, a sua base. Ao fim de algum tempo, o Binas começou a aparecer com mais frequência, parecia sentir-se bem com a atenção que lhe dispensávamos.
Nesse Inverno choveu torrencialmente e eu condoía-me quando via o Binas aparecer completamente encharcado. Comecei por lhe improvisar um abrigo num canteiro de cimento que havia ao lado da entrada do prédio, com uma tábua larga e uns plásticos grossos. Coloquei um tapete velho no improvisado abrigo e meti lá dentro o Albino, que imediatamente percebeu que eu tinha feito aquilo para ele se abrigar da chuva. E ficava lá deitado, muito satisfeito e sequinho. Em alternativa, eu tinha colocado num pequeno terraço que existia ao lado do canteiro, um ex-caixote WC coberto. O Albino também percebeu qual era a sua função e abrigava-se lá às vezes, só que se molhava quando a chuva caía com muita força. Assim, ele preferia muito mais o abrigo no canteiro.
Quando ganhou mais confiança, o Albino começou então a entrar dentro de casa, pela porta, pois já não tinha a agilidade dos outros gatos para saltar pela janela da cozinha ou pelo terraço. Entrava e instalava-se numa alcofa que eu havia destinado para ele, na sala, sobre uma cadeira. Ali dormia durante algumas horas sossegado, sem que nada o incomodasse, pois os outros gatos não se aproximavam muito dele, nem sequer se mostravam curiosos. Pareciam perceber que aquele era um gato externo com quem não deviam estabelecer quaisquer relações e iam às suas vidas. Para mim era um descanso e uma segurança, pois não sabia se o Albino sofria de doenças e, embora todos os nossos gatos estivessem vacinados, inclusive contra a Leucose Felina, era um risco que eu não queria voltar a correr. Mas o Albino nem sequer comia dentro de casa e não tentava ir aos pratos dos outros gatos. Ele conhecia muito bem os seus limites – comia na rua, entrava para dormir na cama que lhe estava destinada e ia-se embora quando achava que era altura, reconfortado com aquela trégua benéfica. Às vezes, quando o tempo estava mais frio, passava também a noite, saindo logo pela manhã.
Uma vez, apareceu muito combalido, com uma tosse horrível e febre (era fácil perceber, pois tinha a ponta do nariz muito seca e todo ele escaldava). Levámo-lo ao veterinário onde lhe foi diagnosticado um princípio de pneumonia. Ficou lá internado durante 1 semana! E o Binas era tão carismático que fez amigos na clínica, onde foi tratado com todos os desvelos. Nem parecia um gato vadio!
O Albino melhorou e voltou para a praceta, onde havia aqueles ‘humanos’ amigos que o ajudavam a prosseguir na sua difícil jornada de gato vadio e solitário, que prezava a sua independência. Cerca de dois anos durou esta relação. E um dia o Binas deixou de vir. Logo pensámos o pior! O que lhe teria acontecido para ele faltar ao ritual diário, no qual era certinho como um relógio? Procurei pelas ruas do nosso bairro e imediações e pelos terrenos do colégio, para tentar encontrar algum sinal dele, vivo ou morto, mas nada. O Albino tinha-se evaporado!
E nunca mais apareceu! Ficou um vazio, alguma saudade e um sentimento de respeito pela forma digna e desinteressada como entrara na nossa vida. Bem, talvez não tivesse sido totalmente desinteressada, talvez o Binas quisesse alguma coisa mais de nós, como carinho, amizade e calor humano, para além de uma refeição fresca. Porém, também ele soube retribuir, à sua maneira, com meiguice e gratidão aquilo que tentávamos fazer para minorar as suas penas. Nunca foi agressivo, nunca mostrou mau-carácter. Bem pelo contrário, pela expressão feliz dos seus olhos azuis, podíamos perceber que ele estava grato por aqueles momentos em que tratávamos dele, mas sem forçarmos ou violentarmos a sua independência. Esta seria uma lição que eu aprenderia sobre dignidade felina, uma lição mais para juntar a tantas outras que tenho tido o privilégio de colher ao longo da minha convivência com os gatos.
Obrigada Albino, onde quer que estejas! 

ESTRELINHAS

IN MEMORIAM...


PANTUFA – “THE WONDER CAT”


Depois do desaparecimento primeiro da Flô e da Patuda, e do Becas alguns anos depois, ficámos apenas com três siameses: o Spakana, a Buzina e a Pantufa. Estas duas eram irmãs e tinham nascido ainda em casa de meus pais, filhas do Pamplinas e da Flô (mãe). Tinham estado quase a ser adoptadas mas, depois, a senhora que as queria desistiu e elas acabaram por ficar connosco. Eram completamente o oposto uma da outra – a Buzina era gorda, muito escura e luzidia, com umas enormes vibrissas, fazia mesmo lembrar uma foca, e tinha uns olhos de um azul intenso; a Pantufa era elegante, num tom mais claro de café-com-leite e era completamente estrábica – ainda mais do que a Flô – o que lhe dava um ar muito cómico. Tinha um andar muito peculiar, com as patas traseiras arqueadas como se fosse um cowboy de polainas. E enquanto a Buzina era calma e pachorrenta, a Pantufa era completamente maluca e levava a curiosidade natural dos gatos às últimas consequências. Adorava sacos de supermercado, bisbilhotar o seu interior e, quando chegávamos das compras, vinha logo para a cozinha e enfiava a cabeça na pega de um saco já vazio, partindo com ele enfiado como se fosse uma capa. Por isso lhe déramos as alcunhas de “Miss Saco” ou “Wonder Cat”!
A Pantufa vendia saúde. Quando aconteceu o episódio da epidemia de coriza, ela fora uma das que primeiro recuperara, quase sem ter estado doente e sem nunca parar de comer. Era também uma grande apreciadora de camarão… e não só! A Pantufa era uma gata muito simpática, extremamente afectuosa connosco e com todos os outros gatos. Essa foi sempre a principal característica de todos os nossos siameses. Mas ela era, sobretudo, divertida e extrovertida, parecia uma palhacita, um bocadito aluada, às vezes, para o que contribuíam o seu olhar extremamente estrábico e o seu andar “à cowboy”. Tinha um miado rouco, muito semelhante ao do Spakana e eu chegava a confundi-los, por vezes.
Quando nos mudámos para a casa nova com jardim, a Pantufa ficou deliciada. Passava horas na rua, a brincar com tudo o que apanhava “à pata”, insectos, particularmente borboletas, bolas, plantas, formigas. Em Junho de 2007 a Pantufa apareceu com um problema numa vista, que estava quase fechada com a terceira pálpebra. Segundo a médica, aquele era um problema muito comum nos gatos e estaria relacionado com qualquer distúrbio interno, umas vezes grave outras sem importância. Receitou umas gotas oftálmicas para lubrificar o olho e disse para ela voltar daí a uma semana.
Quando voltámos à veterinária, ela fez-lhe vários exames e análises mas disse não ter encontrado nada de especial. No entanto, a Pantufa continuava a perder peso, apesar de comer normalmente e o problema na vista permanecia. Denominado “Sindroma de Horner”, hoje sei que aquele é um dos primeiros sinais relacionados com graves problemas de saúde, nomeadamente, dos linfomas intestinal e do estômago. Examinada por um médico diferente, este descobriu no seu abdómen uma massa que, embora pequena, era bastante palpável. E o diagnóstico caiu-nos em cima como uma bomba – a Pantufa tinha um linfoma! Em casos como o da Pantufa, optava-se por um tratamento à base de cortizona e, na maior parte das vezes, o tumor diminuía, dando-lhe mais algum tempo de vida. Mas nunca iria curar-se e chegaria a um ponto em que começaria a perder qualidade de vida.
Assim, começou o tratamento à base de cortizona, primeiro, em injecções semanais, depois, surgiu uma injecção quinzenal. Mais tarde, passou para comprimidos. No início, a Pantufa mostrou nítidas melhoras. Comia bem, ganhou um bocadinho de peso e andava bem-disposta, a “velha” Pantufa! O problema na vista, porém, nunca mais desapareceu. E assim se manteve todo o mês de Agosto até Setembro, quando voltou a piorar. Perdeu o apetite e emagreceu a olhos vistos. Eu tentava todas as comidas que sabia serem as suas preferidas e ela debicava um pouco, quase para me fazer a vontade. Voltou várias vezes à clínica, para fazer mais injecções de cortizona, que pareciam já não resultar. Eu não queria nem pensar ter de voltar a enfrentar a hipótese da “solução final”. Só que a Pantufa piorava de dia para dia e começava a entrar na fase em que a sua qualidade de vida era quase nula. Por três vezes marcámos a ida à clínica para o desfecho inevitável. Mas eu olhava para a Pantufa, deitada no sofá ou no meu colo, passava-lhe a mão pelo corpito magro e ela começava a ronronar intensamente, olhando-me também com os seus olhos muito azuis. Parecia dizer: “não me deixem ir ainda, eu gosto tanto de viver e de estar convosco!” E eu telefonava ao médico a dizer que ainda não a podia levar…
A meio de Setembro, a Pantufa já não se levantava da almofadinha onde a tínhamos instalado no sofá. Deitava-a um bocadinho no terraço para apanhar sol como ela tanto gostava e, à noite, levava-a para dormir no nosso quarto mas, como já quase não andava e muito menos saltava, instalava-a no chão, sobre um monte de almofadas, do meu lado da cama. Todas as noites rezava para que Deus a levasse para o “Céu dos Gatos”, para não termos de tomar a difícil decisão. Porém, no dia seguinte, lá estava a Pantufa muito quieta, olhando para mim com aqueles olhos azuis, muito estrábicos, onde ainda havia uma réstia de vida. E a esperança de que ela se fosse por si, mansamente, ia-se esfumando. Então, foi mesmo necessário decidir, de uma vez, pôr um fim ao seu sofrimento…e ao nosso.
Telefonei a outra veterinária que tínhamos, entretanto, arranjado mais perto do sítio onde morávamos e pedi-lhe para passar em nossa casa para a ver. A Dra. Filipa já conhecia o caso dela e era uma pessoa extremamente humana. Prontificou-se logo a fazer o que eu lhe pedia. Quando ela chegou, examinou a Pantufa e disse-nos que estava na altura de a deixarmos descansar. Enquanto ela preparava os instrumentos, eu falava com a Pantufa, que ainda conseguia levantar a cabeça, olhava para mim e ronronava, muito baixinho, enquanto eu a afagava. Abracei-a, tal como havia feito com a Patuda, quando a médica lhe ministrou, primeiro um sedativo para ela ficar inconsciente e, a seguir, a injecção que lhe iria parar o coração. As lágrimas escorriam pela minha cara, silenciosamente. Olhei para a minha querida Pantufa e ela parecia dormir, mas já não estava ali… Partira e, por fim, havia terminado o seu sofrimento. O meu ainda continuaria por muito tempo. Foi sepultada no nosso jardim, onde já repousava o Becas e, por cima coloquei-lhe um vaso com um lindo jasmim de Madagascar. Ainda hoje sinto a sua falta, como sinto igualmente a falta de todos os meus queridos amigos felinos que já partiram. Quando as saudades apertam o meu peito, sinto um nó na garganta e não consigo evitar uma lágrima fugaz.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

ESTRELINHAS

IN MEMORIAM...

 

MINI E MIÚCHA – DUAS ESTRELINHAS EFÉMERAS

Por vezes ainda me pergunto porque certos gatos vêm ter comigo? Com excepção dos siameses, que fomos nós a escolher o primeiro, o Pamplinas, e do Timmy que, embora fosse proveniente da rua, foi escolhido no meio de uma ninhada, todos os outros gatos foram resgatados, uns em circunstâncias mais dramáticas do que outros. Porém, todos eles pareceram atravessar o meu caminho com um propósito bem definido. Alguns eram quase selvagens e deixaram-se domesticar outros, já vinham de anteriores contactos com humanos. Duas gatas se destacaram nesse cortejo dos chamados ‘errantes’, cada uma à sua maneira.
A Mini era uma linda gatinha tabby mas com uma pelagem em tom cinzento muito claro (silver). Foi uma das que resgatámos de dentro do motor de um carro, no parque de estacionamento fronteiro ao prédio onde vivíamos.
Era a primeira vez que recolhíamos um gato de rua e eu não sabia muito bem o que iria fazer com aquela gatinha. Tínhamos, nessa altura, seis siameses e mais o Timmy. O meu primeiro pensamento foi o de tentar arranjar-lhe donos, mas iria ser difícil porque via-se que se tratava de um animal não domesticado, pouco habituado a seres humanos. Não pensei muito mais no assunto da adopção. Primeiro tentaria domesticá-la. Ainda me faltava ver a reacção dos outros gatos da casa, mas estava convencida de que não haveria problema com eles. Nos dias que se seguiram, a Mini, assim lhe chamámos por ser pequenina, lá se foi ambientando, sempre muito medrosa e desconfiada. Dormia dentro do seu caixotinho ao qual já se tinha habituado e onde se sentia segura. Eu fazia-lhe muitas festas, falando com ela e tentando ganhar a sua confiança. Era um prazer afagá-la porque tinha um pelo muito sedoso e macio e era também muito bonita, com uma cabeça redonda e bem proporcionada, um focinho muito expressivo com uns lindos olhos verdes, mas que estavam sempre muito esbugalhados, por causa do stress em que ela vivia.
Os outros gatos, depois de a cheirarem muito nos primeiros dias, começaram a habituar-se à Mini. O Timmy aceitou-a bem e o Becas tornou-se logo o seu companheiro inseparável, conquistando, aos poucos, a sua confiança. Não tardou muito que dormissem juntos na alcofa dela.
Aí, começaram os problemas com a Flô e com a Patuda, que no início até pareciam ter aceitado a sua presença. A Mini ficava durante a noite no sofá da sala com outros siameses, enquanto a Flô e a Patuda dormiam no meu quarto. A primeira a atacá-la foi a Flô, numa manhã, quando chegou à sala. Automaticamente, a Rodinhas foi em auxílio da mãe e deram uma tareia à desgraçada. Tive de intervir, separei-as e pus as siamesas de castigo fechadas num quarto. E aí começou o inferno.
Sempre que a Flô e a Rodinhas, juntas ou separadas, apanhavam a Mini, batiam-lhe. Tivemos de compartimentar as zonas onde elas estavam e fazíamos rotações para irem ao terraço apanhar sol, para comerem, para irem ao WC. A Mini acabou por se tornar uma gata domesticada, mas andava sempre nervosa e apavorada por causa das siamesas.
Então, apareceu a segunda gata de rua. Tinha a pelagem também listada, mas num tom mosqueado. Não era uma estampa de gata como a Mini, mas compensava essa falta de beleza com uma enorme simpatia. Fora trazida da rua por uns miúdos que decidiram brincar com ela no hall do prédio, mesmo em frente da minha porta. Quando ouvi os miados, fui ver o que se passava e descubro a gatinha, que era um pouco mais velha do que a Mini, e que estava cheia de febre, por causa de um enorme abcesso que tinha numa pata, resultado provável de alguma dentada de outro gato. Levei-a para dentro de casa e tratei-lhe da pata que estava inchadíssima e que lhe devia provocar imensas dores. Telefonei à veterinária que me disse para lhe dar um medicamento anti-inflamatório e um antibiótico dos meus gatos, enquanto não pudesse levá-la a uma consulta. Fiz o que me disse e, no dia seguinte, a gata estava muito melhor, já mais arrebitada, pude verificar que parecia muito mais domesticada do que a Mini, pois deixava que a agarrássemos e lhe fizéssemos festas sem fugir. Aparentemente, parecia já ter tido contacto com pessoas e mostrou-se logo uma gata meiga, que adorava festas.
A convivência com os restantes gatos foi fácil, mas com a Flô e a Patuda acabou por constituir um novo problema pois, cada vez que a viam partiam à tareia para cima dela, tal e qual faziam com a Mini. Passaram a ficar as duas na zona reservada, e deram-se bem logo de início. Também logo, logo, se tornou amiga do Becas, passando a fazer parte do “bando dos três” – Becas, Mini e Miúcha – no mesmo cesto onde dormiam longas sestas. Miúcha foi o nome que lhe pusemos, porque era muito meiguinha e ternurenta.
A Miúcha rapidamente se ambientou a nossa casa e aos outros felinos e, se não fossem as esporádicas tareias que apanhava da Flô e da Rodinhas, podia dizer-se que era uma gata feliz. A nossa casa era um rés-do-chão e tinha um enorme terraço, onde os gatos adoravam estar a apanhar sol, mas que ficava virado para a rua ao nível de um 1º andar, sobre um logradouro que pertencia apenas aquele lote, mas que não estava vedado. Nunca nenhum dos nossos gatos tinha tentado saltar para o logradouro, o que me deixaria muito preocupada porque ficava mesmo junto à estrada onde passava um trânsito muito intenso.
Mas a Miúcha era uma verdadeira aventureira e, rapidamente aprendeu uma maneira de saltar para o logradouro, onde andava divertida a correr atrás de insectos e de passarinhos. Quando se cansava, galgava a parede graças à sua constituição esguia e musculada e voltava para o terraço, sem qualquer problema. De início, eu ficava preocupada com receio de que ela fosse atropelada, mas verifiquei que ela brincava no logradouro mas não se aproximava da estrada o que me deixou mais descansada. E os meses foram passando. Apareceu entretanto a Bitas, aconteceu a epidemia de coriza, todos os gatos adoeceram, uns recuperaram, a Flô e a Patuda não sobreviveram e a Mini e a Miúcha puderam, finalmente, respirar aliviadas. Tinham-se acabado as tareias!
Mas… (há sempre um mas), um trágico acontecimento veio ceifar a vida da Miuchita, quando ela começava a gozar plenamente a sua liberdade e podia andar à vontade por toda a casa. Naquele Domingo a Miúcha tinha ido dar a sua voltinha ao logradouro e eu tinha estado a observá-la, feliz e contente, correndo atrás de uma borboleta. Fui à cozinha fazer qualquer coisa e quando voltei ao terraço, já não a vi. Entretanto, do outro lado da rua, avistei um cão pastor alemão a correr com qualquer coisa, que me pareceu um trapo, na boca, enquanto o dono lhe gritava: “Deixa isso! Deixa isso!!!”
O cão soltou o “trapo” no chão e eu senti um baque no peito… à distância, percebi que o “trapo” era um animal, um gato, a Miúcha! Vi a coleira encarnada que ela usava. Saltei do terraço para o logradouro e corri para o local onde o cão largara a presa. E, quando me acerquei dela, com o coração a saltar do peito, vi a pobre da Miúcha, com o corpo ensanguentado, já morta. Peguei nela, não conseguindo conter as lágrimas, e o seu corpinho ainda estava quente. Tentei reanimá-la mas, não havia nada a fazer. O cão tinha-a ferido de morte no pescoço. Corri para casa que nem uma louca com o corpo inerte da Miúcha encostado ao meu peito e depositei-a sobre a mesa da cozinha. As minhas mãos e a minha blusa estavam cobertas pelo seu sangue e eu chorava descontroladamente. Perder um animal doméstico é sempre traumatizante, mas quando é em circunstâncias trágicas, deixa-nos com uma sensação de impotência e com uma revolta imensa. Tinha sido tão curta a vida da Miúcha e logo quando estava tão feliz!
                                                                                 
A Mini ainda viveu mais alguns anos do que a Miúcha e a sua morte aconteceu em 2005, mas por doença pois, ao longo do tempo, ela tinha desenvolvido tumores mamários. Ainda foi submetida a três cirurgias para os extirpar, mas os tumores reapareciam. Finalmente, acabou por desenvolver metástases nos pulmões, que lhe provocaram graves problemas respiratórios e que a conduziram a uma dolorosa morte.
Tinha-se tornado uma gata muito mais calma, depois de a Flô e a Rodinhas terem desaparecido, pois já não precisava de andar sempre com medo delas. Procurava até o nosso colo, onde se deitava a ronronar e a amassar, coisa que antes era incapaz de fazer. Era uma gata linda, com a uma pelagem tão macia que parecia seda, naquele tom cinza-prateado, e com os seus enormes olhos verdes. Quem sentiu muito a morte, primeiro da Miúcha e, depois, da Mini, foi o Becas e passava horas deitado na alcofa onde costumavam dormir os três, percebendo-se bem que estava triste...