«Não há maior dádiva do que o amor de um gato»
(Charles Dickens)

sábado, 21 de janeiro de 2012

ESTRELINHAS

IN MEMORIAM...


PANTUFA – “THE WONDER CAT”


Depois do desaparecimento primeiro da Flô e da Patuda, e do Becas alguns anos depois, ficámos apenas com três siameses: o Spakana, a Buzina e a Pantufa. Estas duas eram irmãs e tinham nascido ainda em casa de meus pais, filhas do Pamplinas e da Flô (mãe). Tinham estado quase a ser adoptadas mas, depois, a senhora que as queria desistiu e elas acabaram por ficar connosco. Eram completamente o oposto uma da outra – a Buzina era gorda, muito escura e luzidia, com umas enormes vibrissas, fazia mesmo lembrar uma foca, e tinha uns olhos de um azul intenso; a Pantufa era elegante, num tom mais claro de café-com-leite e era completamente estrábica – ainda mais do que a Flô – o que lhe dava um ar muito cómico. Tinha um andar muito peculiar, com as patas traseiras arqueadas como se fosse um cowboy de polainas. E enquanto a Buzina era calma e pachorrenta, a Pantufa era completamente maluca e levava a curiosidade natural dos gatos às últimas consequências. Adorava sacos de supermercado, bisbilhotar o seu interior e, quando chegávamos das compras, vinha logo para a cozinha e enfiava a cabeça na pega de um saco já vazio, partindo com ele enfiado como se fosse uma capa. Por isso lhe déramos as alcunhas de “Miss Saco” ou “Wonder Cat”!
A Pantufa vendia saúde. Quando aconteceu o episódio da epidemia de coriza, ela fora uma das que primeiro recuperara, quase sem ter estado doente e sem nunca parar de comer. Era também uma grande apreciadora de camarão… e não só! A Pantufa era uma gata muito simpática, extremamente afectuosa connosco e com todos os outros gatos. Essa foi sempre a principal característica de todos os nossos siameses. Mas ela era, sobretudo, divertida e extrovertida, parecia uma palhacita, um bocadito aluada, às vezes, para o que contribuíam o seu olhar extremamente estrábico e o seu andar “à cowboy”. Tinha um miado rouco, muito semelhante ao do Spakana e eu chegava a confundi-los, por vezes.
Quando nos mudámos para a casa nova com jardim, a Pantufa ficou deliciada. Passava horas na rua, a brincar com tudo o que apanhava “à pata”, insectos, particularmente borboletas, bolas, plantas, formigas. Em Junho de 2007 a Pantufa apareceu com um problema numa vista, que estava quase fechada com a terceira pálpebra. Segundo a médica, aquele era um problema muito comum nos gatos e estaria relacionado com qualquer distúrbio interno, umas vezes grave outras sem importância. Receitou umas gotas oftálmicas para lubrificar o olho e disse para ela voltar daí a uma semana.
Quando voltámos à veterinária, ela fez-lhe vários exames e análises mas disse não ter encontrado nada de especial. No entanto, a Pantufa continuava a perder peso, apesar de comer normalmente e o problema na vista permanecia. Denominado “Sindroma de Horner”, hoje sei que aquele é um dos primeiros sinais relacionados com graves problemas de saúde, nomeadamente, dos linfomas intestinal e do estômago. Examinada por um médico diferente, este descobriu no seu abdómen uma massa que, embora pequena, era bastante palpável. E o diagnóstico caiu-nos em cima como uma bomba – a Pantufa tinha um linfoma! Em casos como o da Pantufa, optava-se por um tratamento à base de cortizona e, na maior parte das vezes, o tumor diminuía, dando-lhe mais algum tempo de vida. Mas nunca iria curar-se e chegaria a um ponto em que começaria a perder qualidade de vida.
Assim, começou o tratamento à base de cortizona, primeiro, em injecções semanais, depois, surgiu uma injecção quinzenal. Mais tarde, passou para comprimidos. No início, a Pantufa mostrou nítidas melhoras. Comia bem, ganhou um bocadinho de peso e andava bem-disposta, a “velha” Pantufa! O problema na vista, porém, nunca mais desapareceu. E assim se manteve todo o mês de Agosto até Setembro, quando voltou a piorar. Perdeu o apetite e emagreceu a olhos vistos. Eu tentava todas as comidas que sabia serem as suas preferidas e ela debicava um pouco, quase para me fazer a vontade. Voltou várias vezes à clínica, para fazer mais injecções de cortizona, que pareciam já não resultar. Eu não queria nem pensar ter de voltar a enfrentar a hipótese da “solução final”. Só que a Pantufa piorava de dia para dia e começava a entrar na fase em que a sua qualidade de vida era quase nula. Por três vezes marcámos a ida à clínica para o desfecho inevitável. Mas eu olhava para a Pantufa, deitada no sofá ou no meu colo, passava-lhe a mão pelo corpito magro e ela começava a ronronar intensamente, olhando-me também com os seus olhos muito azuis. Parecia dizer: “não me deixem ir ainda, eu gosto tanto de viver e de estar convosco!” E eu telefonava ao médico a dizer que ainda não a podia levar…
A meio de Setembro, a Pantufa já não se levantava da almofadinha onde a tínhamos instalado no sofá. Deitava-a um bocadinho no terraço para apanhar sol como ela tanto gostava e, à noite, levava-a para dormir no nosso quarto mas, como já quase não andava e muito menos saltava, instalava-a no chão, sobre um monte de almofadas, do meu lado da cama. Todas as noites rezava para que Deus a levasse para o “Céu dos Gatos”, para não termos de tomar a difícil decisão. Porém, no dia seguinte, lá estava a Pantufa muito quieta, olhando para mim com aqueles olhos azuis, muito estrábicos, onde ainda havia uma réstia de vida. E a esperança de que ela se fosse por si, mansamente, ia-se esfumando. Então, foi mesmo necessário decidir, de uma vez, pôr um fim ao seu sofrimento…e ao nosso.
Telefonei a outra veterinária que tínhamos, entretanto, arranjado mais perto do sítio onde morávamos e pedi-lhe para passar em nossa casa para a ver. A Dra. Filipa já conhecia o caso dela e era uma pessoa extremamente humana. Prontificou-se logo a fazer o que eu lhe pedia. Quando ela chegou, examinou a Pantufa e disse-nos que estava na altura de a deixarmos descansar. Enquanto ela preparava os instrumentos, eu falava com a Pantufa, que ainda conseguia levantar a cabeça, olhava para mim e ronronava, muito baixinho, enquanto eu a afagava. Abracei-a, tal como havia feito com a Patuda, quando a médica lhe ministrou, primeiro um sedativo para ela ficar inconsciente e, a seguir, a injecção que lhe iria parar o coração. As lágrimas escorriam pela minha cara, silenciosamente. Olhei para a minha querida Pantufa e ela parecia dormir, mas já não estava ali… Partira e, por fim, havia terminado o seu sofrimento. O meu ainda continuaria por muito tempo. Foi sepultada no nosso jardim, onde já repousava o Becas e, por cima coloquei-lhe um vaso com um lindo jasmim de Madagascar. Ainda hoje sinto a sua falta, como sinto igualmente a falta de todos os meus queridos amigos felinos que já partiram. Quando as saudades apertam o meu peito, sinto um nó na garganta e não consigo evitar uma lágrima fugaz.

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