«Não há maior dádiva do que o amor de um gato»
(Charles Dickens)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

ESTRELINHAS - IN MEMORIAM

                  
BUZINA – A Primadonna

   A Buzina, tal como o seu nome indica, é uma siamesa extremamente vocal. Porém, ao contrário do Spakana, o seu miado é vivo e estridente, atingindo notas verdadeiramente agudas e não se calando enquanto não lhe prestamos a devida atenção. Tem agora 18 anos - é praticamente centenária - e, apesar de sofrer de artrite em grau muito avançado nas patas dianteiras, que a faz coxear imenso, é uma gata saudável e ainda activa. Por ter sido sempre obesa, pensávamos que ela iria morrer primeiro do que a irmã Pantufa, que era uma atleta, e afinal… ainda cá continua a dar-nos muito amor e miados estridentes!
   É uma siamesa à moda antiga, pois parece uma foca, gordinha, com uma pelagem muito escura e brilhante, quase negra, e umas enormes vibrissas. Os seus olhos são de um azul vivo e intenso, agora ligeiramente desmaiado por causa da idade. A sua grande cabeça e a sua expressão fazem muito lembrar o filho Becas e é, tal como ele, muito meiga e afectuosa, exigindo festas quando está ao nosso colo, tocando-nos nas mãos para que a afaguemos. Foi, como já contei, uma mãe extremosa para o Becas quando ele nasceu, de cesariana, na Clínica Veterinária dos Olivais. No entanto, ao contrário do laço que ligou a Flô e a Patuda até à morte, a Buzina deixou cedo que esse laço se desvanecesse e, quando o Becas entrou na puberdade, mãe e filho afastaram-se mantendo apenas a ligação que é normal entre gatos. Às vezes, quando o Becas tentava alguma aproximação mais íntima ou, simplesmente, um “amassar de pão”, levava logo um tremendo bufo que o fazia perder a vontade de a voltar a incomodar.
   A nossa Buzina, tirando estas particularidades da sua personalidade, nunca teve assim grandes estórias, porque foi sempre uma gata muito low profile, calma e sossegada, cujas actividades preferidas são dormir, dormir ao sol, dormir à sombra, enfim, dormir… A maior aventura da Buzina deve ter sido mesmo o nascimento do Becas!  
   No entanto, ela e o Spakana – os únicos sobreviventes do clã dos siameses – são muito chegados. Normalmente, dormem juntos, enroscados um no outro, durante o dia e uma boa parte da noite, especialmente durante o Inverno frio e húmido desta zona do Oeste. Depois, o Spakana decide vir para o pé de nós e, de manhã, também a Buzina está deitada, quase sempre nos pés da cama, que é o sítio onde há mais espaço.
   Todos os dias peço a Deus para que eles possam ficar connosco um pouquinho mais e tento dar-lhes muito mimo e toda a atenção que posso, antecipando a altura em que me verei privada desses momentos que, para mim, valem ouro!

30/Julho/2011

   A nossa “velhota” desenvolveu Insuficiência Renal Crónica (IRS). Eu sei que a Buzina tem agora uma provecta idade (20 anos) e que esta é uma condição física que aparece em quase todos os gatos idosos, mas não estava à espera que ela viesse a sofrer desta incapacitante doença quase no término da sua passagem por este planeta Terra e pela nossa vida. Tem sido difícil lidar com a ideia de que a nossa “mansa” siamesa dos lindos olhos cor de turquesa nos vai deixar, depois de 20 anos de uma amizade sem limites, de uma fidelidade a toda a prova. Nunca estamos preparados!
    Decidimos fazer tudo o que for medicamente possível para lhe prolongar, durante mais algum tempo, a qualidade de vida, se possível, sem sofrimento. Iniciou um tratamento de fluído terapia e de medicação para ajudar os seus já fracos rins.

Outubro/2011
   
   Após quase 3 meses de tratamento, que no início parecia estar a resultar bem, o estado da Buzina chegou a um impasse e a Drª Sónia disse-nos que ela já não reagia à medicação... pior do que isso, esta tivera efeitos secundários muito maus, um problema muito comum nos gatos sujeitos a esta terapia. Ficou praticamente cega e com uma desorientação motora muito grave. Deixou de ir fazer as necessidades ao WC e precisa de ajuda para tudo, incluindo para se alimentar, para o que tem de tomar um estimulante que vai fazendo com que tenha apetite. Mesmo assim, perdeu imenso peso e parece uma sombra da "velha" Buzina! A conselho da veterinária, decidimos suspender o tratamento, dar-lhe toda a assistência e conforto possíveis, em casa e esperar pelo momento em que ela se decida a partir... 

Janeiro/2012  

   Passaram mais três meses e a Buzina ainda cá continua! Espanta-nos a sua resiliência... cega que nem um morcego, come, dorme, faz os seus xixis e cócós nos sítios mais inapropriados, chão ou jornais estrategicamente espalhados (não vejo necessidade de lhe pôr fraldas), lava-se (ainda!), ronrona (ainda!), dá por vezes aqueles miados que fizeram jus ao seu nome, parece uma barata tonta quando sai da sua alcofa, onde passa os dias e as noites, já não procura as nossas mãos para lhe fazermos festas, mas aceita-as com um prazer evidente e, também, já não procura a nossa cama para dormir, até porque nem consegue subir ou descer de sítios altos. Mas não dá mostras de querer partir para o Céu dos Gatos! E, enquanto a Buzina não nos transmitir esse sinal, nós vamos respeitando a sua vontade e aproveitando os últimos instantes da sua preciosa companhia... até ao dia em que ela se transforme em mais uma estrelinha!

20/Maio/2012 

   A nossa querida e amada Buzina deixou-nos hoje! Depois de uma luta, que durou quase 1 ano, contra uma doença que teimava em cobrar a sua vida, e durante o qual nos deu, a nós humanos, lições de sobrevivência e de coragem, calou-se, para sempre, o seu miado tão característico que fez jus ao seu nome - Buzina. 
    Nunca vou esquecer aqueles olhos de um azul tão azul que pareciam turquezas, o seu corpo roliço com uma pelagem quase negra, luzidia e sedosa, que a faziam parecer uma pequena foca. Dessa imagem restava apenas o azul dos seus olhos, pois o seu corpinho sofrido há muito perdera os oito kilos que pesava...
    A sua avidez por festas e carícias manteve-a quase até ao fim, deliciava-se com afagos na cabecinha que lançava contra a nossa mão, pedindo mais e mais. Como todos os siameses, a Buzina era uma gata extremamente afectuosa e carente. Por vezes, chegava a ser "chata"... oh, que saudades eu tenho dessa Buzina, melga, ronroneira e exigente!
    Durante este mês de Maio, equacionou-se várias vezes a solução de pôr um termo ao seu sofrimento - não via, não comia, não andava e apenas bebia água quando lhe chegavam a tigelinha ao pé dela. Mas, aparentemente, não tinha dores, segundo a opinião da veterinária. Optámos por não lhe fazer mais fluidoterapia, pois da última vez que fez teve um ataque de stress tão grande que eu pensei mesmo que ela se ficasse na mesa da veterinária. Como continuava a beber água, não havia necessidade de a martirizar espetando agulhas nas suas já invisíveis veias. A nossa esperança era que ela desistisse e partisse por ela... mas o sopro da vida continuava a mantê-la.
    De manhã, limpei-a com os toalhetes húmidos, coloquei-a sobre um resguardo limpo, dei-lhe água, puxei a alcofa para o sol que entrava no chão quarto e ali ficou, sossegada, mas com uma respiração agitada. O Spakana, eterno amigo e companheiro, foi deitar-se a seu lado, aninhando-se no seu corpinho esquelético. Voltei ao quarto mais duas vezes para a ver e de uma das vezes tive de afastar o Spakana que estava deitado sobre ela, quase que não a deixando respirar. O 'skipe' tocou e eu fui falar com a Teresa e com as meninas, a chamada habitual de Domingo.
   Quando voltei ao quarto, meia hora tinha passado, o Spakana continuava deitado aninhado na Buzina, mas ela já não estava lá... a sua alma tinha cruzado outra dimensão, a caminho do "Céu dos Gatos" onde ,tenho a certeza, o seu muito amado filho Becas e a sua mana Pantufa a esperavam e a terão recebido com muitas festas, lambidelas e ron-rons. A sua campa tem flores silvestres e seixos brancos e está ao lado da de sua irmã Pantufa.
    Até já, minha querida Buzina...
   

                                         

2 comentários:

  1. que belo e pungente diário. Até logo Buzina. Que tanto amor espalhaste em teu redor.

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    1. Obrigada, querida!
      Já lá vão 3 meses, mas só hoje consegui escrever isto e fechar o capítulo da Buzina...

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