«Não há maior dádiva do que o amor de um gato»
(Charles Dickens)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

ESTRELINHAS

IN MEMORIAM...

 

MINI E MIÚCHA – DUAS ESTRELINHAS EFÉMERAS

Por vezes ainda me pergunto porque certos gatos vêm ter comigo? Com excepção dos siameses, que fomos nós a escolher o primeiro, o Pamplinas, e do Timmy que, embora fosse proveniente da rua, foi escolhido no meio de uma ninhada, todos os outros gatos foram resgatados, uns em circunstâncias mais dramáticas do que outros. Porém, todos eles pareceram atravessar o meu caminho com um propósito bem definido. Alguns eram quase selvagens e deixaram-se domesticar outros, já vinham de anteriores contactos com humanos. Duas gatas se destacaram nesse cortejo dos chamados ‘errantes’, cada uma à sua maneira.
A Mini era uma linda gatinha tabby mas com uma pelagem em tom cinzento muito claro (silver). Foi uma das que resgatámos de dentro do motor de um carro, no parque de estacionamento fronteiro ao prédio onde vivíamos.
Era a primeira vez que recolhíamos um gato de rua e eu não sabia muito bem o que iria fazer com aquela gatinha. Tínhamos, nessa altura, seis siameses e mais o Timmy. O meu primeiro pensamento foi o de tentar arranjar-lhe donos, mas iria ser difícil porque via-se que se tratava de um animal não domesticado, pouco habituado a seres humanos. Não pensei muito mais no assunto da adopção. Primeiro tentaria domesticá-la. Ainda me faltava ver a reacção dos outros gatos da casa, mas estava convencida de que não haveria problema com eles. Nos dias que se seguiram, a Mini, assim lhe chamámos por ser pequenina, lá se foi ambientando, sempre muito medrosa e desconfiada. Dormia dentro do seu caixotinho ao qual já se tinha habituado e onde se sentia segura. Eu fazia-lhe muitas festas, falando com ela e tentando ganhar a sua confiança. Era um prazer afagá-la porque tinha um pelo muito sedoso e macio e era também muito bonita, com uma cabeça redonda e bem proporcionada, um focinho muito expressivo com uns lindos olhos verdes, mas que estavam sempre muito esbugalhados, por causa do stress em que ela vivia.
Os outros gatos, depois de a cheirarem muito nos primeiros dias, começaram a habituar-se à Mini. O Timmy aceitou-a bem e o Becas tornou-se logo o seu companheiro inseparável, conquistando, aos poucos, a sua confiança. Não tardou muito que dormissem juntos na alcofa dela.
Aí, começaram os problemas com a Flô e com a Patuda, que no início até pareciam ter aceitado a sua presença. A Mini ficava durante a noite no sofá da sala com outros siameses, enquanto a Flô e a Patuda dormiam no meu quarto. A primeira a atacá-la foi a Flô, numa manhã, quando chegou à sala. Automaticamente, a Rodinhas foi em auxílio da mãe e deram uma tareia à desgraçada. Tive de intervir, separei-as e pus as siamesas de castigo fechadas num quarto. E aí começou o inferno.
Sempre que a Flô e a Rodinhas, juntas ou separadas, apanhavam a Mini, batiam-lhe. Tivemos de compartimentar as zonas onde elas estavam e fazíamos rotações para irem ao terraço apanhar sol, para comerem, para irem ao WC. A Mini acabou por se tornar uma gata domesticada, mas andava sempre nervosa e apavorada por causa das siamesas.
Então, apareceu a segunda gata de rua. Tinha a pelagem também listada, mas num tom mosqueado. Não era uma estampa de gata como a Mini, mas compensava essa falta de beleza com uma enorme simpatia. Fora trazida da rua por uns miúdos que decidiram brincar com ela no hall do prédio, mesmo em frente da minha porta. Quando ouvi os miados, fui ver o que se passava e descubro a gatinha, que era um pouco mais velha do que a Mini, e que estava cheia de febre, por causa de um enorme abcesso que tinha numa pata, resultado provável de alguma dentada de outro gato. Levei-a para dentro de casa e tratei-lhe da pata que estava inchadíssima e que lhe devia provocar imensas dores. Telefonei à veterinária que me disse para lhe dar um medicamento anti-inflamatório e um antibiótico dos meus gatos, enquanto não pudesse levá-la a uma consulta. Fiz o que me disse e, no dia seguinte, a gata estava muito melhor, já mais arrebitada, pude verificar que parecia muito mais domesticada do que a Mini, pois deixava que a agarrássemos e lhe fizéssemos festas sem fugir. Aparentemente, parecia já ter tido contacto com pessoas e mostrou-se logo uma gata meiga, que adorava festas.
A convivência com os restantes gatos foi fácil, mas com a Flô e a Patuda acabou por constituir um novo problema pois, cada vez que a viam partiam à tareia para cima dela, tal e qual faziam com a Mini. Passaram a ficar as duas na zona reservada, e deram-se bem logo de início. Também logo, logo, se tornou amiga do Becas, passando a fazer parte do “bando dos três” – Becas, Mini e Miúcha – no mesmo cesto onde dormiam longas sestas. Miúcha foi o nome que lhe pusemos, porque era muito meiguinha e ternurenta.
A Miúcha rapidamente se ambientou a nossa casa e aos outros felinos e, se não fossem as esporádicas tareias que apanhava da Flô e da Rodinhas, podia dizer-se que era uma gata feliz. A nossa casa era um rés-do-chão e tinha um enorme terraço, onde os gatos adoravam estar a apanhar sol, mas que ficava virado para a rua ao nível de um 1º andar, sobre um logradouro que pertencia apenas aquele lote, mas que não estava vedado. Nunca nenhum dos nossos gatos tinha tentado saltar para o logradouro, o que me deixaria muito preocupada porque ficava mesmo junto à estrada onde passava um trânsito muito intenso.
Mas a Miúcha era uma verdadeira aventureira e, rapidamente aprendeu uma maneira de saltar para o logradouro, onde andava divertida a correr atrás de insectos e de passarinhos. Quando se cansava, galgava a parede graças à sua constituição esguia e musculada e voltava para o terraço, sem qualquer problema. De início, eu ficava preocupada com receio de que ela fosse atropelada, mas verifiquei que ela brincava no logradouro mas não se aproximava da estrada o que me deixou mais descansada. E os meses foram passando. Apareceu entretanto a Bitas, aconteceu a epidemia de coriza, todos os gatos adoeceram, uns recuperaram, a Flô e a Patuda não sobreviveram e a Mini e a Miúcha puderam, finalmente, respirar aliviadas. Tinham-se acabado as tareias!
Mas… (há sempre um mas), um trágico acontecimento veio ceifar a vida da Miuchita, quando ela começava a gozar plenamente a sua liberdade e podia andar à vontade por toda a casa. Naquele Domingo a Miúcha tinha ido dar a sua voltinha ao logradouro e eu tinha estado a observá-la, feliz e contente, correndo atrás de uma borboleta. Fui à cozinha fazer qualquer coisa e quando voltei ao terraço, já não a vi. Entretanto, do outro lado da rua, avistei um cão pastor alemão a correr com qualquer coisa, que me pareceu um trapo, na boca, enquanto o dono lhe gritava: “Deixa isso! Deixa isso!!!”
O cão soltou o “trapo” no chão e eu senti um baque no peito… à distância, percebi que o “trapo” era um animal, um gato, a Miúcha! Vi a coleira encarnada que ela usava. Saltei do terraço para o logradouro e corri para o local onde o cão largara a presa. E, quando me acerquei dela, com o coração a saltar do peito, vi a pobre da Miúcha, com o corpo ensanguentado, já morta. Peguei nela, não conseguindo conter as lágrimas, e o seu corpinho ainda estava quente. Tentei reanimá-la mas, não havia nada a fazer. O cão tinha-a ferido de morte no pescoço. Corri para casa que nem uma louca com o corpo inerte da Miúcha encostado ao meu peito e depositei-a sobre a mesa da cozinha. As minhas mãos e a minha blusa estavam cobertas pelo seu sangue e eu chorava descontroladamente. Perder um animal doméstico é sempre traumatizante, mas quando é em circunstâncias trágicas, deixa-nos com uma sensação de impotência e com uma revolta imensa. Tinha sido tão curta a vida da Miúcha e logo quando estava tão feliz!
                                                                                 
A Mini ainda viveu mais alguns anos do que a Miúcha e a sua morte aconteceu em 2005, mas por doença pois, ao longo do tempo, ela tinha desenvolvido tumores mamários. Ainda foi submetida a três cirurgias para os extirpar, mas os tumores reapareciam. Finalmente, acabou por desenvolver metástases nos pulmões, que lhe provocaram graves problemas respiratórios e que a conduziram a uma dolorosa morte.
Tinha-se tornado uma gata muito mais calma, depois de a Flô e a Rodinhas terem desaparecido, pois já não precisava de andar sempre com medo delas. Procurava até o nosso colo, onde se deitava a ronronar e a amassar, coisa que antes era incapaz de fazer. Era uma gata linda, com a uma pelagem tão macia que parecia seda, naquele tom cinza-prateado, e com os seus enormes olhos verdes. Quem sentiu muito a morte, primeiro da Miúcha e, depois, da Mini, foi o Becas e passava horas deitado na alcofa onde costumavam dormir os três, percebendo-se bem que estava triste...

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